Regresso no tempo. Recordo alguns detalhes que assegurava já perdidos. A estrada a desaparecer muito depressa pelo vidro do passageiro. O compasso de espera que a médica fez quando lhe liguei a dizer o que se passava. Os passos que dei até entrar na ala das urgências. Os catéteres, os nomes estranhos, as máquinas a apitar. O medo. O medo infinito quando naquele mesmo hospital pensei que podia não te chegar a conhecer. O medo que nunca deitei cá para fora em momento algum. Que nunca verbalizei até ouvir o final da história nas palavras que desejei com todas as minhas forças: "Correu tudo bem!".
Respirei fundo. O medo já não fazia sentido. Agora tinha-te a ti. Saudável, perfeita e com uma vontade de viver imensa.
Passaram dois anos.
Tu cresces-te. Tiveste olhos cinzentos, verdes e agora castanhos. Foste careca, loirinha e agora tens exactamente o meu tom de cabelo. És aventureira, destemida, precipitada e impulsiva. És vaidosa, mimosa e carinhosa. Ris. Ris muito. Dizes Olá! a toda a gente. E adeus. E mandas beijinhos. Mas não os dás. Danças a toda a hora. E a dança faz-te brilhar. Pedes colinho com as mãos no ar e uma perna a trepar pelas minhas. Foges todas as noites da tua cama e vens aninhar-te em mim mesmo que sejam só cinco minutos. Provocas o pai para ver até onde ele vai. E troças dele. E de mim. Mas quando sabes que fazes asneira ficas aflita. E choras enquanto pedes abracinhos. És independente. Gostas de comer sozinha. E de lavar os dentes sem ajuda. E de testar os teus próprios limites. Mesmo que caias e te magoes. O teu orgulho não te permite chorar. Esse orgulho e postura obstinada que eu acredito que te vão conduzir pela vida. Por uma vida que eu desejo que seja feliz.
Passaram dois anos.
E continuo a ter medo. Todos os dias. Um medo que se traduz apenas na sede que tenho de felicidade para ti. Na vontade que tenho de te transmitir os valores que te permitam ser uma pessoa idónea, correcta, sincera e humilde. Mas acima de tudo no medo de que esse amor pela vida que os teus olhos transmitem se desvaneça e se funda com o cinzento de tantas outras pessoas infelizes neste mundo.
Por isso, não foi o medo que me alimentou durante estes dois anos. Foi o amor. O amor que tudo resolve e tudo cura. O amor que é o pão para alma. O amor que sinto por ti em cada sorriso, em cada abraço, em cada olhar e que me faz acreditar tudo vai correr bem. O amor que já não me cabe no peito há muito tempo e mesmo assim não se intimida de crescer.
Passarão dois, dez, vinte ou quarenta anos e eu terei sempre medo mas terei muito mais amor para te dar. Porque tu és a base do meu mundo e eu sou apenas a tua mãe.
Parabéns filha!