quinta-feira, 8 de julho de 2010

Fio da Navalha

A nossa realidade muda numa fracção de segundo.

O ano de 2010 prometeu dar-me luta logo nos primeiros dias.
Lembro-me de tudo como se fosse hoje, acordamos atrasados, ainda cansados da passagem de ano. Saimos de casa apressados porque já nos esperavam em Almada.
O céu estava cinzento, não chovia mas o piso ainda estava molhado. Acelerei em direcção ao Eixo Norte Sul, com a confiança habitual, ao som de uma música animada e com a certeza que chegariamos a horas ao destino.

Desci o Aqueduto, ultrapassei uma carrinha e esta colou-se imediatamente à minha traseira.

-"Não estou a perceber o que este pretende..." - pensei eu...

Encostei-me à direita...entrei na curva...senti a traseira do carro levantar, as rodas deixaram de tocar o chão como se tivessem pisado óleo e perdi o controlo de tudo.

-"Já está!" - disse o R.

Não larguei o volante, não pensei que ia morrer e não gritei, nestas alturas não existem heróis ou manobras mirabolantes. A curva era para a direita e a frente do carro ficou virada para o separador, continuei o movimento do volante para a direita e acertei como uma chapada no separador.
Vi o pára-choques a voar...o carro fez vários peões e acertou no separador central, novamente de frente como uma chapada.
Ao fim de outros tantos peões o carro parou...

Não olhamos um para o outro, não pensamos em nada, tinhamos de sair dali...antes que fossemos atingidos por outro carro.

Tinha a frente do carro desfeita, comecei a chorar copiosamente...não por mim, não pelo carro mas pelo perigo que ele tinha corrido por minha causa.

Fizeram uma barreira de protecção à nossa volta. Retiraram o carro para a berma, todos se mostraram prestáveis e agiram como verdadeiros anjos da guarda.

Eu sabia que 90% do motivo de estarmos bem tinha sido pelo factor sorte...e nada mais do que isso.
Na estrada podemos ser condutores confiantes e conscientes mas tudo muda num segundo, por uma estrada molhada, por óleo derramado, por uma distração...

Demorei muito tempo a digerir tudo o que passou, revia o momento do primeiro impacto no separador várias vezes por dia e chorava sempre.

Ontem, 6 meses depois, voltei a passar no mesmo sítio, com o mesmo carro, e novamente os dois juntos...vi as marcas de travagem no alcatrão, vi os separadores arranhados, senti-me pequenina e impotente mas enfrentei o medo.

E hoje, escrevo aqui sobre tudo isto, porque não o consigo expressar em voz alta, porque sei que sempre que ali passar vou-me sentir o ser mais vulnerável do mundo e porque independentemente de ter culpa ou não do sucedido, sei que estamos demasiadas vezes no fio da navalha.

2 comentários:

  1. ha coisas na vida, que nos marcam como uma tatuagem.
    E permanecem como um pesadelo.
    Mas ha que procurar enfrentar esses fantasmas.... até porque estás viva!
    é difícil, mas ultrapassaste.

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  2. Estou orgulhosa, sei bem que até este texto te custou imenso a por cá fora. Conseguiste exteriorizar mesmo que não tenha sido em voz alta e isso é importante. *beijo grande

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